ALIMENTAR O MUNDO: PRECISAMOS PRODUZIR MAIS OU DESPERDIÇAR MENOS?
Josimar
Rodrigues de Oliveira
Plínio de Oliveira Fassio
Resumo: A insegurança alimentar é um problema mundial, que
está muito relacionado com as políticas para o combate a fome e a
conscientização social em relação ao desperdício de alimentos. O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, exercendo
papel fundamental no abastecimento de alimentos para a população mundial, que é
cada dia maior. Há um potencial para o aumento da produtividade das culturas no
país, por meio do alcance da máxima produtividade das plantas e a possibilidade
de abrir novas áreas agricultáveis. Porém, os níveis de desperdício de
alimentos no Brasil são preocupantes. O desperdício acontece desde o campo,
principalmente no momento da colheita das culturas e nos demais níveis da
cadeia de comercialização até chegar a mesa do consumidor final. O objetivo
desse trabalho foi analisar os níveis atuais de desperdício de alimentos no
Brasil e as mudanças necessárias para a mitigação desse problema. A
conscientização social é um passo fundamental para alimentar o mundo nos
próximos anos, além da adoção de diversas ações que podem mitigar o desperdício
de alimentos.
Palavras–chave: agricultura familiar, população, fome
Feeding the World: We need to produce more or less
wasteful?
Abstract: Food insecurity is a global
problem, which is closely related to policies to combat hunger and social
awareness in relation to food waste. Brazil is one of the largest food
producers in the world, playing a key role in supplying food for the world
population, which is increasing steadily. There is a potential for increasing
crop productivity in the country, through the attainment of maximum plant productivity
and the possibility of opening new agricultural areas. However, levels of food
waste in Brazil are troubling. Waste occurs from the field, especially at
harvest crops and the other levels of the marketing chain to reach the table of
the final consumer. The objective of this study was to analyze current levels
of food waste in Brazil and the measures needed to mitigate this problem
changes. Social awareness is essential to feed the world in the years ahead
step, besides adopting several actions that can mitigate food waste.
Keywords: family farming, population, hunger.
Introdução
A população mundial chegou à marca de sete
bilhões de pessoas em 2011. As projeções mostram que até o ano de 2050 esse
número aumentará para nove bilhões (CASARIN, 2012). O tamanho recorde da
população pode ser encarado como um sucesso para a humanidade, pois as pessoas
estão vivendo mais e com saúde. Mas isso não é uma regra geral, nem todas as
pessoas se beneficiam dessa conquista ou da melhor qualidade de vida que isto
implica, pois, existem grandes disparidades entre e dentro dos países (UNFPA,
2011).
Um dos principais desafios é produzir alimentos
para essa população cada dia maior. Será que essa filosofia de “produzir
alimentos para alimentar o mundo” não é um discurso meramente político? Na
prática, os alimentos advindos da agricultura e da pecuária servem para
incrementar o Produto Interno Bruto dos países produtores e não são
distribuídos igualitariamente entre as pessoas com a intenção de “alimentar o
mundo”.
Nesse cenário, a agropecuária local de pequeno
porte é a grande responsável pela alimentação da população brasileira. O último
censo agropecuário realizado no Brasil foi no ano de 2006 e mostrou que a
agricultura familiar brasileira é responsável por cerca de 70% de todo o
alimento consumido pela população (IBGE, 2007). Os dados mostraram que a
agricultura familiar produz cerca de 87% de mandioca, 70% da produção de
feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e, na pecuária,
60% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos.
Além da necessidade de produzir alimentos, as
taxas de desperdício mundial são bastante elevadas. O desperdício de alimentos
começa na própria lavoura, no momento da colheita, onde plantas abaixo do padrão
comercial são descartadas, sem qualquer programa ou ação de aproveitamento,
além das perdas ocorridas durante a colheita, transporte e armazenamento. Até
os alimentos chegarem à mesa do consumidor, outra grande parcela é
desperdiçada. Nos restaurantes, bares, pizzarias e até mesmo nas residências,
outra parcela de alimentos acaba indo para o lixo.
É preocupante o nível de desperdício de
alimentos que temos atualmente no mundo e no Brasil. Sem dúvida, trata-se de um
desafio para a comunidade internacional.
Com base nisso, o objetivo desse trabalho foi
analisar os níveis atuais de desperdício de alimentos no Brasil e as mudanças
necessárias para a mitigação desse problema.
Produção de alimentos no Brasil
Os rendimentos agrícolas no Brasil estão abaixo
do real potencial produtivo das culturas (CASARIN, 2012). Fatores como nutrição
mineral, clima, pragas, doenças e plantas espontâneas ainda são desafiadores
para o alcance da máxima produtividade potencial das culturas plantadas no
país.
Os alimentos de alta qualidade produzidos pelo
país são exportados e os demais são comercializados nas Centrais de
Abastecimento dos estados brasileiros. Os grandes empresários rurais não estão
preocupados com o problema da fome, seja no Brasil, na África ou em qualquer
outra parte do mundo. Grande parte dos cereais produzidos no país é voltada
para a alimentação animal, especialmente o setor de aves e suínos. Essa carne,
por sua vez, é exportada ou industrializada, o que eleva o seu valor de
comercialização.
Desperdício
de alimentos e consciência social
Os números referentes ao desperdício de
alimentos no mundo são alarmantes. Estima-se que, pelo menos, um terço da
produção de alimentos vai anualmente para o lixo. São aproximadamente 1,3
bilhão de toneladas de alimentos (FAO, 2011). O custo econômico direto do
desperdício mundial de alimentos (excluindo os peixes e frutos do mar), com
base nos preços pagos ao produtor, é de cerca de US$ 750 bilhões, valor
equivalente ao PIB da Suíça (FAO, 2013). No Brasil, o cenário não é diferente.
A cada ano, 26,3 milhões de toneladas de comida são jogados fora. Essa
quantidade de alimentos seria suficiente para distribuir 131,5 kg para cada
brasileiro ou 3,76 kg para cada habitante do planeta. Toda essa comida
alimentaria facilmente os 13 milhões de brasileiros que ainda passam fome
(AMORIM & MANSUR, 2013). De acordo com Coquito (2014), a Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura mostrou que o país produz cerca
de 26% a mais do que necessita para alimentar toda a população.
Apesar de produzir um volume maior do que a
demanda da população, o desperdício desde o campo até a mesa do consumidor é
bastante elevado. A perda de alimentos no Brasil, de modo geral, é de
aproximadamente 20% na colheita, 8% no transporte e armazenamento, 15% na
indústria de processamento, 1% no varejo e 20%
no processamento culinário e nos hábitos alimentares, com isso, as
perdas totalizam 64% em toda a cadeia (AKATU, 2013). As perdas podem ser mais
ou menos elevadas em determinado nível da cadeia, conforme o tipo de alimento.
Em relação às perdas de frutos e hortaliças, por exemplo, cerca de 10% das
perdas acontecem no campo, 50% durante o manuseio e transporte, 30% nas
centrais de abastecimento e comercialização e 10% em supermercados e consumidor
final (SOARES, 2014). Além disso, o autor relata que há um grande desperdício
de vegetais “in natura”, como no caso da couve-flor, em que as perdas chegam a
50%, seguido pela alface, banana, morango, pimentão e tomate, que tem índices
de perda de 40 a 45%.
O Desperdício de alimentos gera inúmeros
prejuízos para a população, tanto do ponto de vista técnico, quanto do ponto de
vista econômico. De acordo com Oliveira (2014), se cada brasileiro deixar um
grão de arroz diariamente no prato, considerando-se a estimativa atual de mais
de 200 milhões de habitantes no país, o desperdício seria o equivalente a 7907
kg/dia de arroz com casca. Considerando-se que a produtividade média de arroz é
de 8000 kg/ha, há um desperdício de aproximadamente um hectare de arroz por
dia. Isso significa que ao final de um ano, 365 hectares de arroz foram jogados
no lixo pela população brasileira. Se considerar o valor médio do custo de
produção do arroz em R$ 30,00 por hectare, esse desperdício acarretará um
prejuízo de aproximadamente R$ 1.460.000,00. Isso considerando apenas um grão
de arroz por dia. Sabe-se que a quantidade que se perde diariamente é muito
maior.
O arroz é um alimento consumido em todo o país,
mas o nível de desperdício é realmente preocupante quando se pensa em cada
alimento que o brasileiro normalmente consome. Levando em conta que a refeição
padrão de uma família brasileira é composta por arroz, feijão, alface, tomate e
um tipo de carne, pelo menos quatro tipos de alimentos de origem vegetal e um
alimento de origem animal é diariamente desperdiçado, pois como foi visto, um
grão ou mesmo um grama de alimento que é deixado no prato pode gerar um
desperdício significativo.
Para reduzir o desperdício de alimentos algumas
ações devem ser tomadas, entre elas, é necessário promover campanhas públicas
de conscientização social sobre os impactos econômicos, ambientais e sociais do
desperdício de alimentos; incentivar o consumo sustentável, de modo que as
pessoas comprem apenas o necessário para a subsistência da sua família;
realizar um planejamento para a compra semanal de alimentos que se deterioram
rapidamente, como hortaliças folhosas e algumas leguminosas; buscar conhecer
métodos caseiros para a conservação de alimentos; aproveitamento integral de
alimentos, buscando alternativa para o uso de folhas, talos, casca e sementes,
seja na alimentação humana (saladas, refogados, doces, sucos, etc) ou para
alimentação animal (rações caseiras, farinhas, etc); utilizar resíduos vegetais
para fazer adubos orgânicos por meio da compostagem ou processos de
biofertilização; criação de projetos e
políticas públicas voltadas para a promoção de doação e combate ao desperdício
de alimentos.
Conclusões
A conscientização social é um passo fundamental
para alimentar o mundo nos próximos anos. A preocupação em reduzir o
desperdício de alimentos no Brasil, deve ser tão importante quanto à
necessidade de aumentar a produtividade das culturas ou expandir as áreas
agricultáveis. É necessário implantar diversas ações em todos os níveis da
cadeia de produção e comercialização para mitigar o desperdício de
alimentos.
Literatura
citada
AKATU. A nutrição e o consumo consciente. Caderno
Temático. São Paulo, SP, 2013. 112 p.
AMORIM, D.; MANSUR, C. Brasil joga no lixo
26,3 milhões de toneladas de alimentos por ano. 2013. In:
http://goo.gl/xBXY4z (Acessado em 13 Junho de 2014).
CASARIN, V. Produção de alimentos – O desafio
do século. Informações Agronômicas, n. 139, set. 2012.
COQUITO, A. Fome, Obesidade e Desperdício. In:
LUTADOR, O. Cadernos de Cidadania. Ano 12, n. 236, Belo Horizonte, Abr.
2014.
IBGE. Estatísticas do Século XX: Censo
Agropecuário de 1920/2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.
OLIVEIRA, J.R. Desperdício de alimentos:
conheça o impacto de um grão de arroz que deixamos no prato. 2014. In: http://www.brasilagricola.com
(Acessado em 20 de Maio de 2014).
FAO. Food wastage footprint: Impacts on natural resourses.
Rome, 2013. 63 p.
FAO. Global food losses and food waste – Extent, causes and
prevention. Rome, 2011. 23 p.
SOARES, A.G. Desperdício de alimentos – um
desafio político e social a ser vencido. 2014. In:
http://www.ctaa.embrapa.br/upload/publicacao/art-182.pdf (Acessado em 15 de
Março de 2014).
UNFPA. Relatório sobre a situação da
população mundial 2011: Pessoas e possibilidades em um mundo de 7
bilhões. New York, 2011. 132 p.
** Artigo publicado no VI Simpósio Brasileiro de Agropecuária Sustentável - III Congresso Internacional de Agropecuária Sustentável, realizado na cidade de Viçosa-MG, 2014.