O campo é o culpado pela crise hídrica?
Algumas pessoas têm a péssima mania de querer “vilanizar” a agropecuária brasileira, colocando-a como culpada por todas as mazelas ambientais e crises que acontecem em nosso país. A verdade é que o produtor rural deveria ser exaltado como um grande herói, somente pelo fato de carregar nas costas o pouco crescimento econômico que nosso país tem apresentado nos últimos tempos. O ser humano é o único animal terrestre que tem a capacidade de contaminar o solo que o alimenta e suas fontes de água naturais como minas, rios, açudes, córregos e lagoas. E ainda dizem que somos racionais! Não temos sequer o bom senso de chupar uma bala e guardar o plástico ou papel no bolso para descartá-lo adequadamente em uma lixeira, simplesmente o jogamos na rua, que posteriormente será carregado pelas enxurradas e vai parar nas reservas hídricas de nossas cidades.
Infelizmente, somos um povo sem
consciência e na hora do aperto, a única coisa que nos interessa é buscar por
culpados. Foi preciso que um sistema de abastecimento como a Cantareira em São
Paulo viesse atingir níveis abaixo do mínimo de água, presenciar a redução
absurda dos níveis de água na principal nascente do Rio São Francisco, na Serra
da Canastra; do Rio Jequitinhonha e das represas de Minas Gerais para que nos
preocupássemos um pouco.
A Embrapa
confirma que é inédito o nível de seca que estamos presenciando no Brasil e
explica que está acontecendo devido a variação no clima da terra, provocada por
um ciclo natural nos Oceanos Pacífico e Atlântico, que estão retirando energia
da atmosfera e absorvendo em suas águas profundas. Isso reduz a frequência e a
força das frentes frias que vem do Pólo Sul para o Sudeste e são responsáveis
pelas chuvas regulares que estávamos acostumados. Outro fenômeno que está
interferindo na regularidade das chuvas é o bloqueio atmosférico que acontece
em razão de uma zona de alta pressão que se forma sobre o Atlântico (mais
quente) e impede a entrada das frentes frias, que chegam ao máximo até o estado
do Paraná. No inverno, esse bloqueio acontece naturalmente e tende a se
dispersar com a chegada do verão, no entanto, isso não aconteceu nos últimos
dois anos.
O
secretário de agricultura do estado de São Paulo, Arnaldo Jardim, afirmou em
janeiro desse ano que restringirá o uso de água para a irrigação e afirmou que
os pivôs centrais são tecnologias
defasadas, pois “usam muita água para pouco efeito em produtividade”, portanto
deverão ser desativados. De onde sai tanta ignorância? Pergunte aos produtores
de grãos que não tem sistemas de irrigação se eles estão satisfeitos com as
colheitas dessa safra?
O
Campo também tem a sua parcela de culpa, pois, utilizamos a irrigação de
maneira irracional e somos responsáveis pela contaminação dos recursos hídricos
por agrotóxicos e fertilizantes. Na maioria das propriedades rurais ainda
estamos acostumados a realizar uma “molhação” em vez de irrigação propriamente
dita. São raras as propriedades que adotam um manejo de irrigação adequado com
base nos parâmetros edafoclimáticos e fisiológicos das culturas. Portanto,
nossos sistemas são ineficientes não porque estão defasados e sim pela falta de
conhecimento técnico daqueles que manejam esses sistemas. Além disso, não temos
planejamento estratégico para o aproveitamento das águas das chuvas ou águas
residuárias em nossas propriedades rurais.
Nosso sistema
agrícola pode ser um “produtor de água” se adotar sistemas de coleta,
tratamento e armazenamento eficazes das águas pluviais; atuarmos na recuperação
de nascentes e proteção dos cursos d’água; realizar cultivos conservacionistas
como plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta, plantio em nível e
uso de terraços, etc. O grande problema é que muitos princípios básicos da
teoria acabam sendo ignorados na prática.