André Meloni Nassar
Diretor do ICONE Brasil
O governo
Dilma Rousseff tem sido acusado de protecionista. Medidas indicam que é difícil
contestar essa acusação, sobretudo por conta das exigências de conteúdo
nacional impostas a alguns setores, do aumento de impostos incidentes sobre
alguns produtos importados, sem equivalente aumento para os concorrentes
domésticos, e de elevações explícitas nas alíquotas de importação.
Outras medidas
também ligadas a comércio exterior, tais como o uso mais recorrente de instrumentos
de defesa comercial, medidas antidumping e reduções de custos tributários nas
exportações, não justificam o protecionismo brasileiro. Todas são práticas
utilizadas em comércio internacional e são justificadas no arcabouço legal da
Organização Mundial do Comércio (OMC).
Exigências de
conteúdo nacional, imposição de peso tributário menos favorável sobre o produto
importado e aumento de tarifas de importação são, por sua vez, exemplos de
livro-texto de comércio internacional. Ou seja, são antigas - e fora de moda -
práticas de proteção explícita dos produtores locais. Mesmo diante de um
argumento puramente legalista de que tais práticas podem estar de acordo com as
regras da OMC, a eficiência econômica dessas práticas é, no mínimo, discutível,
para não dizer inexistente.
Assim, mais
que reclamar que o governo é protecionista, o que me parece estar faltando é
uma discussão mais aprofundada das chances de essas medidas gerarem os
resultados esperados pelo governo, assumindo que elas não são apenas fruto de
lobby e da busca pelas rendas exclusivas dos setores beneficiados.
Não tenho
informações privilegiadas sobre as motivações do governo federal para adotar
tais medidas, mas posso fazer algumas inferências. Uma primeira justificativa
seria culpar o inimigo externo. Como o mundo desenvolvido está em crise e
grande parte da produção industrial do mundo cresceu ou foi transferida para os
países asiáticos, sobretudo para a China, essa justificativa se baseia na
premissa de que existe um excesso de oferta de produtos industriais no mundo, o
que forçou os preços para baixo, numa velocidade muito maior do que o ganho de
produtividade e escala na indústria brasileira. Sendo isso verdade, setores da
indústria nacional precisariam de proteção para poderem se ajustar à nova
realidade de preços relativos.
É um sedutor
argumento, mas não se sustenta diante das medidas adotadas. O Brasil é um país
pequeno no comércio internacional, ou seja, importando muito ou pouco, não
mexemos nos preços internacionais. Se não há perspectiva para os preços
internacionais voltarem a subir, impedir a competição significa postergar o
processo de ajuste - que vai ocorrer de qualquer forma - da indústria local.
Uma segunda
justificativa recairia sobre o custo Brasil. Como as empresas localizadas no
País enfrentam custos mais altos do que os grandes exportadores de produtos
industriais, sobretudo o tributário, seria necessário utilizar as chamadas
medidas de fronteira para equalizar a competição. Não há dúvida de que o custo
Brasil retira competitividade das empresas, mas não houve nenhum aumento
significativo dele para justificar as três medidas tomadas recentemente.
A terceira
razão que poderia ser evocada está relacionada com argumento que farei no final
deste artigo. Quando estávamos no auge das negociações com a União Europeia, em
2004, foi desenvolvido no Brasil um conceito amplamente utilizado para
justificar menos abertura do mercado brasileiro: a chamada cláusula da
indústria nascente. A ideia era que alguns setores industriais brasileiros já
eram internacionalizados, mas ainda não tinham escala para competir em pé de
igualdade internacional e, por isso, uma proteção temporária seria necessária.
Tal justificativa, hoje, também não se aplica, porque o nosso país tem um dos
maiores mercados internos do mundo e que se provou capaz de crescer com vigor
nos anos recentes. Assim, só não ganhou escala quem não quis investir.
A preocupação
com essas medidas, fruto da minha dificuldade em encontrar razões objetivas
para sua adoção, ganha nova dimensão quando olhamos o lado exportador
brasileiro. Tais medidas, provavelmente, jogam uma pá de cal sobre qualquer
esperança de o Brasil tentar se engajar novamente em negociações bilaterais ou
regionais de comércio. Qual vai ser a margem de manobra do País para voltar a
negociar com o Canadá e a União Europeia, como sinalizou o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, caso ambos não aceitem a
vigência dessas medidas no comércio bilateral? Parece-me que tais medidas
comprovam que o interesse do Brasil nas negociações comerciais é ainda menor do
que foi no passado.
Além
disso, negociações comerciais geram ganhos para os setores exportadores. E se
os ganhos para esses setores forem maiores do que os ganhos para os setores
protegidos? Será que o governo se fez essa pergunta? Em geral, setor exportador
é dinâmico e setor protegido cresce pouco. Qual o leitor escolheria?
Uma forma
simples de definir sociedades capitalistas é que elas se dividem em dois tipos
de agentes: produtores e consumidores. Ambos, obviamente, se confundem, porque
aqueles que trabalham na produção são também consumidores. No entanto, do ponto
de vista da estrutura do mercado, produtores são poucos e consumidores, muitos.
Assim, quando uma política beneficia apenas o produtor, que é o caso das três
medidas protecionistas citadas, a eficiência econômica delas está comprometida
porque, diante de preços mais altos, parte da renda do consumidor vai para o
produtor. Tal transferência ainda faria sentido se houvesse justificativas que
garantissem que a eficiência econômica seria atingida em algum momento. Não é
isso que enxergo nas medidas adotadas. Para mim, elas são basicamente uma forma
de concentrar renda nos setores agraciados, sem nenhuma garantia de que o
restante da sociedade também será beneficiado.
FONTE: Instituto de estudos
do comércio e negociações internacionais (ICONE)