A
disponibilidade de terra arável e para pecuária deverá diminuir globalmente nas
próximas décadas, ao mesmo tempo em que será preciso aumentar a produção de
alimentos para atender ao crescimento da demanda mundial e melhorar a
conservação e a sustentabilidade dos recursos não renováveis, que são
essenciais para atingir esse objetivo.
Um grupo de
pesquisadores de diferentes países, incluindo do Brasil, iniciará uma série de
estudos colaborativos com o objetivo de aumentar a compreensão e gerar
conhecimento científico para enfrentar esses três desafios concomitantes e
inter-relacionados em escala mundial.
Nos dias 17 a 19 de dezembro, eles se
reuniram em São Paulo ,
na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), para
participar do “Belmont Forum International: Call Scoping Workshop on Food
security and land use change”. Organizado pela Fapesp em parceria com o Centro
de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) e o
Belmont Forum, o objetivo do evento foi definir áreas prioritárias de pesquisa,
relacionadas à segurança alimentar e mudanças no uso da terra, que poderão
integrar a segunda chamada de propostas do Belmont Fórum – entidade criada
pelas principais agências financiadoras de pesquisa sobre mudanças ambientais
do mundo.
Durante o
encontro, cientistas de países signatários do Belmont Forum apresentaram
iniciativas e prioridades de pesquisa relacionadas à segurança alimentar e
mudanças no uso da terra implementadas em seus respectivos países.
Do lado do Brasil,
André Nassar, do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais
(Icone), Carlos Joly, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e
Gilberto Câmara, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),
apresentaram resultados de pesquisas sobre, respectivamente, biocombustíveis,
biodiversidade e monitoramento de mudanças no uso da terra.
Câmara falou
sobre os desafios para as políticas de uso da terra no Brasil que, segundo ele,
representam o maior experimento de mudanças no uso da terra e seus efeitos
realizado no mundo nas últimas décadas.
– Desde 1980,
foram desmatados 720 mil km² da Amazônia e 400 mil km² do Cerrado. Isso
representa uma transição de uso da terra que não aconteceu nessa magnitude,
nesse intervalo de tempo e nessa época em nenhum outro país do mundo e é um
marco significativo do que acontece hoje no planeta – avaliou.
Segundo
Câmara, parte da transição do uso da terra na Amazônia e no Cerrado para
cultivo de soja e pastagem de gado está relacionada ao aumento da demanda
interna por alimento. Mas outra parte significativa – principalmente no Cerrado
– foi devida ao aumento das exportações de carne e grãos para atender ao
crescimento da demanda mundial por alimentos.
Lições do Brasil
Nos anos de
1980, de acordo com Câmara, a mudança de uso da terra no Brasil ocorreu de
forma desordenada e sem nenhuma espécie de controle. Mais recentemente, com o
amplo acesso às informações sobre desmatamento disponibilizadas na internet por
instituições de pesquisa como o Inpe e pressões internacionais e da sociedade
brasileira, foi possível implementar uma política de desmatamento da Amazônia
que obteve muito êxito ao ser baseada na tríade composta por transparência,
governança e instituições de pesquisa com boa reputação.
–
Alguns aprendizados que o Brasil teve com a criação de instituições de pesquisa
capazes de produzir informações sobre desmatamento – disponibilizadas de forma
transparente e acessível na internet, que resultaram em mecanismo de governança
que tem funcionado muito bem – podem servir de lição para outros países que
também pretendem conseguir implementar uma política de uso da terra ampla. O
Brasil precisa liderar o mundo nessa capacidade de ter um sistema de informação
de uso da terra – afirmou.
De acordo com
o pesquisador, um dos gargalos no sistema de monitoramento do desmatamento na
Amazônia é produzir informação com maior nível de detalhe.
Atualmente, os sensores dos
satélites utilizados no Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter) no
Inpe têm resolução espacial moderada, de 250 metros , o que
impossibilita detectar desmatamentos e mudanças no uso da terra em áreas
menores do que 25
hectares .
– Precisamos
de informação com maior detalhe –
afirmou Câmara.
Mas, de acordo
com ele, as maiores lacunas no sistema de monitoramento de mudanças de uso da
terra no Brasil se referem a biomas como o Cerrado, a Caatinga, a Mata
Atlântica, o Pampa e o Pantanal, os quais ainda não dispõem de um sistema de
informação sobre desmatamento similar ao existente para a Amazônia.
– O Brasil
precisa ter em todo o seu território o mesmo nível de informação diária sobre
mudanças no uso da terra que possui hoje para a Amazônia. Isso é essencial para
um país que tem esse tamanho de área, que quer balancear a produção agrícola e
de biocombustíveis com o equilíbrio ambiental – destacou Câmara.
Questões fundamentais
O equilíbrio
entre uso da terra e mitigação dos impactos ambientais causados pela atividade
agropecuária foi apontado pelos pesquisadores participantes do workshop na
Fapesp como um dos principais desafios para os próximos anos.
De modo a
contribuir na busca de soluções para o problema, as propostas de pesquisa que
serão apoiadas na segunda chamada do Belmont Forum deverão tentar responder,
entre outras questões fundamentais, como os atuais padrões de demanda por
alimentos afetam o uso da terra, a biodiversidade e a segurança alimentar.
Chamada em 2013
A primeira
chamada de propostas do Belmont Forum foi lançada em abril de 2012 e contou com
recursos de cerca de 20 milhões de euros, dos quais 2,5 milhões foram
investidos pela Fapesp, sendo 1,5 milhão de euros para projetos de pesquisa
sobre segurança hídrica e 1 milhão de euros para pesquisas sobre
vulnerabilidade costeira.
Os projetos
serão executados por pesquisadores do Estado de São Paulo nessas áreas em
parceria com pesquisadores de, pelos menos, outros dois países participantes do
fórum.
Os valores
para a segunda chamada serão definidos em 2013, durante reunião do Belmont
Forum em
fevereiro. Pesquisadores ligados a instituições de ensino
superior e de pesquisa, públicas e privadas, no Estado de São Paulo poderão
participar da chamada.
FONTE: Agência FAPESP