Fabio Hertel*
O Brasil é o
celeiro do mundo, mas há um provérbio milenar que diz que “Não
havendo bois, o celeiro fica limpo, mas pela força do boi há
abundância de colheitas.”, ou seja, quem quer ter sucesso no
empreendimento precisa acreditar no trabalho, no investimento e em
alta tecnologia. Sem estes fatores o celeiro fica limpinho, mas não
se desfruta nada da colheita.
Apesar da vocação
agrícola, a principal causa de morte no Brasil está relacionada à
obesidade, ou a alimentação inadequada. O brasileiro precisa
aumentar em três vezes o consumo de frutas, legumes e verduras para
se enquadrar em padrões adequados de alimentação. Os índices são
conhecidos, mas nenhuma estrutura pública como os Ministérios da
Saúde, Agricultura, Educação, nem a cadeia produtiva e de
abastecimento enxergou a tremenda oportunidade em se promover uma
grande e única campanha de promoção das frutas, verduras e
legumes.
O pessoal do
campo está fazendo o dever de casa quando aumenta, ano a ano, seus
índices de produtividade e apesar dos números divulgados apontando
o desperdício de produtos agrícolas, é visível a evolução do
sistema de produção no Brasil nos últimos 30 anos. Atentos a novas
tecnologias de gestão da produção, a introdução de novas
embalagens e o cuidado com o transporte, os produtores também se
beneficiam com o avanço da engenharia genética que lança com
entusiasmo novas variedades cada vez mais resistentes e produtivas. A
produtividade está aumentando, o que está estagnado é o consumo.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
90% da população brasileira consome menos frutas, legumes e
verduras do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde
(OMS), que é de 400g por dia.
Os técnicos da
área são unânimes em afirmar a total desarticulação da cadeia
produtiva que, com raras e heroicas exceções de associações de
produtores, não consegue promover de forma articulada e
sistematizada seus produtos. Mas a salvação da lavoura pode vir do
oriente, do distante país onde o sol nasce primeiro. A convite de
uma agência do Governo da Nova Zelândia estive naquele país
conhecendo sua cultura e valores, mais especificamente um poderoso
exemplo de como construir uma associação de produtores e
transformá-la num caso de sucesso mundial.
O pano de fundo
desta história é comum à maioria dos setores produtivos de frutas,
verduras e legumes: preços baixos e instáveis, pressão de
atravessadores e desarticulação. Em 1988 alguns produtores de kiwi
se mobilizaram e com o apoio de seus pares, pediram ao governo para
criar uma única associação de produtores da Nova Zelândia. Nascia
um movimento que originou a Zespri, uma poderosa empresa que hoje é
responsável pelo abastecimento de 30% do kiwi consumido no mundo.
Para um país com 4,5 milhões de habitantes e um consumo interno
relativamente pequeno, a Nova Zelândia reúne muitos aspectos que
justificam a altíssima produtividade de kiwi com uma qualidade
invejável: condições climáticas e de solo, investimento em
pesquisa (só a Zespri investe U$ 16 milhões em pesquisa por ano) e
uma estrutura logística de elevada performance preparada para
exportação. Mas foi por um fator cultural que este milagre da
multiplicação dos kiwis deu certo. É que o povo neozelandês
encara os problemas de frente e arregaça as mangas coletivamente
quando o objetivo é obter colheitas abundantes.
Hoje, 100% de
todo kiwi exportado da Nova Zelândia é comercializado pela Zespri,
que abastece 55 países. Visitei vários produtores que estão “rindo
à toa”, porque o governo fiscaliza a relação produtor-associação
e a Zespri cuida de todos os detalhes da operação: pesquisa,
orientação técnica, beneficiamento, embalagem, logística,
marketing e comercialização, permitindo que o produtor se dedique
exclusivamente ao cultivo do kiwi mais macio e doce do mundo.
De toda
exportação agrícola da Nova Zelândia, 47% já é de kiwi que
obedece a um criterioso sistema de rastreabilidade. Pela força
associativista, a Zespri consegue comunicar os atributos de seu
produto como a principal característica funcional do kiwi que é
facilitar o trânsito intestinal. Desta forma seu produto é vendido
com elevado valor agregado – até três vezes mais que os
concorrentes - em países com mercados mais maduros, como o Japão e
a Espanha.
Com iniciativas
fantásticas assim, o governo promove a qualidade de vida, a
sociedade ganha quando se alimenta melhor e toda a cadeia produtiva
de frutas, verduras e legumes também ganha quando junta forças para
promover seus produtos. Precisamos despertar para modelos semelhantes
ao da Zespri, porque os bois, que representam a tecnologia, são
conhecidos e já estão fazendo sucesso por aí.
* Técnico Agrícola e
Diretor de Comunicação e Novos Negócios da rede Hortifruti