DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS: CONHEÇA O IMPACTO DE UM GRÃO DE ARROZ QUE DEIXAMOS NO PRATO

        O planeta precisa produzir alimentos para sustentar as pessoas, isso é um fato inegável. Nos dias atuais, o crescimento populacional é justificativa para tudo! É preciso produzir mais fibras, pois o crescimento populacional demanda mais roupas; é preciso produzir mais bioenergia e biocombustíveis, pois o aumento populacional gera uma alta demanda de energia para manter o funcionamento de fábricas, casas e automóveis; é preciso produzir mais madeira, devido ao aumento pela demanda de móveis, celulose e carvão, etc. A frase mais conhecida dentro de um debate sobre agricultura e meio ambiente é que “Precisamos alimentar o mundo de maneira sustentável”. Mas será que o mundo realmente quer ser alimentado com tanto desperdício de alimento?
        Há aproximadamente quatro anos, aumentou a frequência de avisos em restaurantes cobrando taxa de desperdício de seus clientes. Há que ponto chegamos, somos cobrados por desperdício de alimentos! Sim, enquanto na África há milhares de crianças e adultos famintos, nós simplesmente pagamos pelo “luxo” de jogar fora alimentos. Recentemente, em uma aula da disciplina de “Uso dos Solos nos Trópicos”, ministrada pelo professor Liovando Marciano da Costa, na Universidade Federal de Viçosa, tive a oportunidade de fazer uma reflexão sobre isso graças a um grão de arroz.
        Gostaria de compartilhar essa reflexão com nossos leitores, pois, de uma maneira simples, podemos notar a dimensão do desperdício de alimentos pelas pessoas. Vamos refletir, no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é possível acessar a estimativa da população brasileira em tempo real. De acordo com os cálculos do Instituto, um novo brasileiro nasce a cada 18 segundos. Enquanto escrevia essa coluna, a estimativa populacional do IBGE contabilizava 202.414.125 pessoas, ou seja, já somos mais de 200 milhões de brasileiros que demandam todos os dias alimentos, energia, roupas, móveis, cosméticos, medicamentos, matéria prima para a construção civil e indústrias, entre outras coisas. Todos esses produtos demandados possuem – de forma direta ou indireta – uma ligação com as atividades do campo.
Supondo que cada brasileiro desperdice diariamente um grão de arroz, teríamos um desperdício diário de 202.414.125 grãos de arroz inteiro sem casca. De acordo com dados da Associação Catarinense dos Produtores de Sementes de Arroz Irrigado (Acapsa), temos em média:
  • 100 grãos de arroz com casca = 64 grãos de arroz inteiro sem casca;
  • Massa de 1000 grãos de arroz com casca = 25 gramas (0,025 kg);
  • Produtividade Média de Arroz (t/ha) = 8 t/ha.
Fazendo-se alguns cálculos simples, temos que o desperdício de um grão de arroz por cada brasileiro equivale a um desperdício de 316.272.070 grãos de arroz com casca, que representa 7.907 kg de arroz com casca desperdiçado diariamente. Considerando-se a produtividade média de 8 t/ha, podemos concluir que o brasileiro desperdiça diariamente um hectare de arroz. Ao longo de um ano, 365 hectares de arroz vão para o lixo. Veja que contabilizamos apenas um grão de arroz para cada brasileiro e consideramos para tal cálculo apenas uma refeição diária, sabe-se que o desperdício é bem mais elevado, visto que não foram considerados perdas advindas do manejo, colheita, armazenamento, transporte, beneficiamento e embalagem do arroz. Além do mais, sabemos que o desperdício é muito maior do que um grão de arroz por dia para cada brasileiro. Esse pequeno cálculo nos mostra a dimensão do problema que temos em nossas mãos.
É preciso mudar o rumo do discurso, que hoje se sustenta apenas na necessidade de aumentar a produtividade das culturas agrícolas. Mais do que produzir alimentos para uma população de 7 bilhões de pessoas, deveríamos pensar em “NÃO desperdiçar alimentos para alimentar o mundo”. De acordo com o relatório “Food wastage footprint: Impacts on natural resources”, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO), em setembro de 2013, o desperdício mundial de alimentos chega a 1,6 bilhão de toneladas por ano. Cerca de um terço de todos os alimentos produzidos para o consumo humano são desperdiçados anualmente.
O relatório mostra que, mundialmente, cerca de 500 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados na produção agrícola, 360 milhões de toneladas são desperdiçados nas fases de colheita, pós-colheita, armazenamento e transporte, aproximadamente 190 milhões de toneladas são desperdiçados no processamento, outros 200 milhões de toneladas são desperdiçados na fase de distribuição e o consumidor final é responsável por jogar fora quase 350 milhões de toneladas de alimentos.
Além dos impactos econômicos e sociais, gerados pelo desperdício de alimentos, há também os impactos ambientais. O relatório da FAO traz números relevantes sobre essa questão. De acordo com o estudo, os alimentos produzidos, mas não consumidos, geraram no ano de 2007, cerca de 3,3 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (gases do efeito estufa). Quando comparado aos 20 países que mais emitem gases do efeito estufa, os alimentos desperdiçados ficam em terceiro lugar, atrás apenas de China e Estados Unidos, respectivamente. O relatório da FAO também apresenta o consumo de água para a produção desses alimentos, que não foram consumidos em 2007, que foi de aproximadamente 250 km³. Em termos de volume, isso representa cerca de três vezes o volume do Lago de Genebra (Maior lago da Europa Central, localizado entre a Suíça e a França) ou o fluxo anual de água do Rio Volga, na Rússia. Quanto ao uso dos solos, esses alimentos que deixaram de ser consumidos no ano de 2007 ocuparam aproximadamente 1,4 bilhão de hectares, o que equivale a cerca de 28 % das terras agricultáveis do mundo. Esses dados são preocupantes e nos mostram que se estamos, de fato, compromissados a alimentar as pessoas e contribuir para a redução da miséria e da desigualdade sócio-ambiental, não podemos permitir que tais níveis de desperdício passem despercebidos aos nossos olhos.
É preciso que as pessoas tenham consciência, em todos os níveis da cadeia alimentar, desde o produtor que semeia a cultura até o consumidor final. Estamos vivendo em uma sociedade onde a “palavra da moda” é ostentação, uma sociedade consumista, compulsiva, que vive de aparências, uma sociedade onde o amanhã é só mais um dia depois do hoje, uma sociedade onde pessoas pregam ecologia e desenvolvimento sustentável, mas são incapazes de deixar a vida nas cidades, o frescor de um ar condicionado em seu trabalho ou em casa, o conforto de um automóvel de última geração, entre outras vaidades dos tempos modernos. Há de se repensar o que estamos fazendo e o que estamos propondo. É inútil sonhar com o Jardim do Éden e continuar construindo a Torre de Babel.

* Para acessar o Relatório FAO na íntegra acesse: http://www.fao.org
* Você também pode consultar em tempo real, a estimativa da população brasileira total e em cada Estado, acessado o link: http://www.ibge.gov.br



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