Antes
de entender completamente quais serão os efeitos deste El Niño de
2014, é importante esclarecer quais são os principais impactos que
estes fenômenos de escala global têm em todas as regiões do
Brasil.
O El
Niño é o aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico
Equatorial. Já o La Niña é o fenômeno oposto: o resfriamento das
mesmas águas. Até aqui, é simples. Mas determinar os efeitos
destes fenômenos sobre as diferentes regiões produtoras do país é
um pouco mais complicado.
Todo
o planeta sente os efeitos dessas anomalias, mas a região sul da
América do Sul, que inclui o sul do Brasil, a Argentina, o Chile, o
Uruguai e o Paraguai, é uma das mais afetadas por eventos de El Niño
e La Niña. Dependendo do fenômeno, estas áreas apresentam forte
variabilidade de precipitação interanual, ou seja, variação tanto
de volume quanto de distribuição das chuvas ao longo do ano.
Os
produtores do sul do Brasil sabem bem disso já que contam com a
experiência de que, em anos de El Niño, há maior ocorrência de
safras fartas, porque a chuva é abundante. Mas em anos de La Niña,
não se pode pensar que o efeito é o oposto. O que muda de um
fenômeno para outro é a qualidade, a quantidade e a distribuição
das chuvas sobre o Brasil.
Efeitos
sobre o Brasil
Naturalmente,
pelo próprio tamanho do nosso país, há uma sazonalidade específica
para cada região do Brasil e existem outros sistemas meteorológicos
locais que atuam independentes dos fenômenos de escala global como o
El Niño e o La Niña. O nosso país abriga diferentes tipos de
clima: equatorial, tropical, semiárido, subtropical, tropical
litorâneo e de altitude.
Quando
há o aquecimento ou o resfriamento dos oceanos, há uma mudança
nesta sazonalidade natural por conta do aquecimento e do resfriamento
da atmosfera. Esta alteração muda a distribuição das chuvas e
também as chamadas “correntes de jato”.
–
A mudança do posicionamento da corrente de jato no Brasil é que
posiciona os sistemas meteorológicos – explica a técnica em
meteorologia da Somar Patrícia Vieira.
Com
o El Niño, a atmosfera está mais aquecida e o calor é combustível
para as chuvas de verão que passam a ocorrer na forma de pancadas.
Para o produtor, nestes anos, há maiores janelas de tempo seco para
os trabalhos de campo. Além disso, as correntes polares ficam mais
fracas e trazem menos riscos de geadas durante o inverno.
Em
anos de El Niño, a corrente de jato vai para a região Sul, mantendo
as frentes frias represadas por lá e deixando as chuvas abundantes
nos meses de inverno e de primavera. Já no Nordeste, a condição é
de secas mais severas. No Sudeste e no Centro-Oeste não há padrão
característico na mudança nas chuvas, mas há um aumento das
temperaturas médias, inclusive no inverno. No Norte do Brasil, há
uma diminuição das chuvas e aumento dos focos de incêndio.
Em
anos de La Niña, com a atmosfera mais fria, a chuva tem tendência
mais contínua, em vez de cair na forma de pancadas. As frentes frias
são mais oceânicas e acabam levando mais chuvas para as regiões
próximas à costa do Sul e do Sudeste. A região Sul fica com o
tempo mais seco, diferente do que acontece em anos de El Niño,
quando as frentes frias tendem a ser continentais.
Já
para as regiões Norte e Nordeste, há um aumento de precipitação e
da vazão dos rios. Em relação à temperatura, faz mais frio.
–
Com o fenômeno La Niña há mais ocorrência de granizo, o que
prejudica muito o setor de hortifruti, e as massas de ar de origem
polar são mais intensas e frequentes – explica Patrícia Vieira.
Além
de todos estes fatores, não podemos esquecer que não só é a
temperatura do oceano Pacífico que determina a intensidade dos
episódios de chuva. A temperatura do oceano Atlântico também
interfere no clima, contribuindo ou não para a atuação dos
sistemas meteorológicos locais.
Eventos
mais fortes
Há
relatos de registros de El Niño desde a época do descobrimento das
Américas, com depoimentos das mudanças de ventos durante as
navegações. De acordo com o Centro de Pesquisas Espaciais e Estudos
Climáticos (CPTec), eventos de El Niño e La Niña têm uma
tendência a se alternarem a cada três a sete anos. Porém, de um
evento ao seguinte, o intervalo pode mudar de 1 a 10 anos. As
intensidades dos eventos variam bastante de caso a caso. O El Niño
mais intenso já observado mar ocorreu nos biênios de 1982/1983 e
1997/1998.
Em
geral, episódios La Niña também têm frequência de 2 a 7 anos.
Mas, na última década, eles têm ocorrido em menor quantidade que o
El Niño. Além do mais, os episódios La Niña têm períodos de
aproximadamente 9 a 12 meses, e somente alguns episódios persistem
por mais que 2 anos. Outro ponto interessante é que os valores das
anomalias de temperatura da superfície do mar (TSM) em anos de La
Niña têm desvios menores que em anos de El Niño.
Enquanto
observam-se anomalias de até 4,5ºC acima da média em alguns anos
de El Niño, em anos de La Niña as maiores anomalias observadas não
chegam a 4ºC abaixo da média. Episódios mais fortes do La Niña
ocorreram nos anos de 1988/1989, em 1995/1996 e em 1998/1999.
Nas
últimas décadas tivemos, inclusive, episódios dos dois fenômenos.
O destaque vai para o El Niño Modoki de 2004/2005. A diferença de
um El Niño Modoki é que o aquecimento do oceano não acontece de
forma simultânea e completa, como em episódios do El Niño
clássico, ou Canônico como também é chamado.
Para
exemplificar as diferenças, basta lembrar alguns episódios do
passado. Em 2009/2010 tivemos um El Niño clássico que, por ser mais
intenso, garantiu chuvas regulares e acima da média durante o
período de duração do fenômeno sobre o Sul do Brasil, e falta de
chuva no Nordeste – as duas regiões que apresentam maior
correlação com o fenômeno.
Já
em 2004/2005, o país foi atingido pelo El Niño Modoki, agravado
pelas águas mais frias do oceano Atlântico. Essa configuração
trouxe chuvas irregulares para a região Sul a partir da primavera. O
verão de 2005 foi regido por uma forte estiagem, principalmente os
meses de fevereiro e março, frustrando a expectativa dos produtores
e causando a maior quebra de safra da história.
O
El Niño deste ano
Para
este ano, o El Niño em curso tem como efeito mais evidente a redução
do frio extremo no Centro-Sul do Brasil durante o inverno. Este fator
combinado, às águas quentes do oceano Atlântico próximo à costa
do Sul do Brasil, retardou a chegada do frio no outono, beneficiando
diretamente as lavouras de milho segunda safra do Paraná e de Mato
Grosso do Sul, que têm na questão da temperatura o seu maior risco.
A
redução do frio também vai beneficiar as lavouras de trigo do
Paraná, que no ano passado foram muito castigadas com as geadas. No
entanto, o risco associado ao El Niño está na fase final desta
lavoura em função do aumento das chuvas na hora da colheita. O
risco é ainda maior para as lavouras do Rio Grande do Sul que
plantam mais tarde e podem ser prejudicadas com o aumento de chuvas
na primavera.
Para o Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, a presença do El Niño nesta época do ano também reduz o risco de frio. Uma das características é que o período seco não será tão extremo e longo, o que beneficia setores como cana-de-açúcar, café, pastagens e produção de carne e leite. Fica a ressalva apenas que, para estes setores, em função de alguns episódios de chuva, podem ter alguns problemas operacionais e de manejo.
Para
as regiões Norte e Nordeste do Brasil, o El Niño não tem uma
influência direta nesta época do ano. O que vale destacar em
relação à condição do El Niño Modoki está relacionado com o
verão: não há garantia de chuvas regulares para a safra de verão
do Sul. Mesmo com o El Niño, esta região pode enfrentar períodos
de estiagem, que é o principal risco para suas lavouras.
Para
as lavouras do Sudeste e do Centro-Oeste as condições médias de
clima devem prevalecer. Para o Nordeste do Brasil, o El Niño fraco e
de curta duração passa a ser uma boa notícia, já que o fenômeno
não provocará a redução de chuvas entre fevereiro e maio,
condição que acontece em períodos com El Niño fortes.
A
origem do nome
A
palavra El Niño é derivada do espanhol, e refere-se à presença de
águas quentes que todos os anos aparecem na costa norte de Peru na
época de Natal. Os pescadores do Peru e Equador chamaram a esta
presença de águas mais quentes de Corriente de El Niño, em uma
referência ao Menino Jesus (Niño Jesus).
Ao
imaginar o oposto do fenômeno, o resfriamento das águas, nada
melhor para os especialistas no assunto darem a nomenclatura feminina
para o evento e assim surgiu o nome La Niña. Afinal se existe o
guri, tem que existir a guria. Mas o fenômeno La Niña já teve
outros codinomes menos usados como El Viejo, (O Velho), ou anti-El
Niño. No entanto, como El Niño se refere ao menino Jesus, anti-El
Niño é um nome que nao pegou bem e é pouco utilizado.
FONTE:
Pryscilla Paiva
- Canal Rural